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domingo, 29 de abril de 2012

A TRANSLADAÇÃO DA SANTA CASA DE NOSSA SENHORA DESDE NAZARÉ ATÉ LORETO


Santuário de Loreto, Itália
Em Loreto, Itália, se venera a Santa Casa: quer dizer o edifício onde Nossa Senhora nasceu, viveu e recebeu o anjo São Gabriel na Anunciação, momento em que o Sim da Virgem permitiu a Encarnação do Verbo e o início da Redenção do gênero humano.

Em Nazaré, Terra Santa, sob a cúpula da igreja da Anunciação também se venera o local onde aconteceu este sublime mistério.

Gruta da Santa Casa, Nazaré,
Palestina, igreja da Anunciação
Como se explica essa aparente duplicidade de endereços?

A contradição, ou superposição de atribuições, encerra maravilhosos fatos religiosos, notadamente a translação da Santa Casa de Nazaré até Loreto por obra dos anjos.

Mas, o que diz a ciência a respeito?

Não é tarefa da ciência declarar se um fato foi miraculoso ou não, se foram os anjos ou não. Mas, analisar a realidade segundo seus métodos, instrumentos e objetivos próprios.

E as ciências trabalhando sobre o mistério da Santa Casa de Nossa Senhora vêm trazendo a lume revelações materiais que explicam o acontecido e reforçam a fé e um modo maravilhoso.

Eis um apanhado de algumas descobertas feitas nas últimas décadas.

O Altar dos Apóstolos na Santa Casa


Santa Casa de Loreto:
a translação milagrosa
e a ciência
O arquiteto Nanni Monelli e o Pe. Giuseppe Santarelli, diretor-geral da Congregação da Santa Casa de Loreto, constataram que as pedras que se encontram na Gruta da Anunciação, em Nazaré, Terra Santa, têm a mesma origem da pedra do altar dos Santos Apóstolos que está na Santa Casa de Loreto, na Itália.

O Altar dos Apóstolos é constituído por uma pedra – hoje coberta por uma grade de metal – trabalhada em estilo nabateano, típico da Palestina. E leva esse nome porque nele os Apóstolos teriam celebrado a Missa quando iam a Nazaré visitar a casa de Nossa Senhora.

Detrás da grade sob o altar novo: Altar dos Apóstolos
O Prof. Giorgio Nicolini, especialista na matéria e autor do livro La veridicità storica della miracolosa Traslazione della Santa Casa di Nazareth a Loreto (“A veracidade da milagrosa trasladação da Santa Casa de Nazaré a Loreto”), explicou à agência Zenit que “sobre a autenticidade da Santa Casa de Loreto enquanto verdadeira Casa de Nazaré de Maria jamais houve dúvida alguma, a não ser da parte daqueles que não conhecem os estudos científicos a respeito. Isso é tão verdadeiro que todos os Sumos Pontífices, durante sete séculos, confirmaram a autenticidade com solenes atas canônicas de aprovação”.

Nicolini acrescentou que este estudo sobre o Altar dos Apóstolos “é importante porque, além de proporcionar uma ulterior prova da autenticidade da Santa Casa de Loreto como a Casa de Maria em Nazaré, proporciona também uma prova ainda mais espetacular da milagrosa trasladação da Santa Casa de Nazaré”.

Percurso do Altar e das paredes de Nazaré até Loreto

Percurso da Santa Casa desde Palestina até Loreto

A tradição sempre afirmou que entre 1291 e 1296 três paredes da Santa Casa de Nazaré foram miraculosamente transportadas a “vários lugares” pelo ministério angélico.

Isto está registrado em documentos antigos nos quais se fala da presença desse Altar unido às três paredes. Por exemplo, em Tersatto, Dalmácia (hoje Trsat, Croácia), onde a Santa Casa esteve entre 10 de maio de 1291 e 10 de dezembro de 1294.

Por isso pode se afirmar que houve um duplo milagre: o transporte milagroso das três santas paredes na sua integridade e, em segundo lugar, junto com elas, mas como um objeto distinto da casa, o Altar dos Apóstolos.

Em seu livro Nicolini demonstra que, do ponto de vista histórico e arqueológico, pelo menos cinco translações milagrosas ficaram constatadas de modo indiscutível entre 1291 e 1296.

Santa Casa de Loreto
A primeira levou a Santa Casa até Tersatto (Croácia); a segunda até Posatora (província de Ancona, Itália); a terceira até a floresta da senhora Loreta, na planície que está sob a atual cidade de Loreto (cujo nome deriva precisamente do nome dessa senhora); a quarta até a roça de dois irmãos sobre o morro lauretano (conhecido também como Monte Prodo); e a quinta até uma estrada pública, onde ainda se encontra sob a cúpula da magnífica basílica posteriormente construída em volta.

Todas estas mudanças foram registradas nos diversos lugares por testemunhas oculares contemporâneas. As mudanças foram rigorosamente controladas pelos Bispos diocesanos da época, que emitiram pronunciamentos canônicos sobre a veracidade dos fatos e dos testemunhos.

Maqueta da casa de Nazaré
Para maior confirmação ainda ficam as igrejas construídas nos diversos locais na época das mudanças e consagradas pelos Bispos de Fiume, Ancona, Recanati, Macerata e Nápoles, entre outros.

Nicolini esclareceu que em Loreto se encontram apenas as três paredes que constituíam o quarto de Nossa Senhora, geralmente chamado de Santa Casa, local onde aconteceu a Anunciação.

A quarta parede do quarto é a gruta, a qual pode ser visitada na igreja da Anunciação em Nazaré, Terra Santa. Ali só ficaram a gruta e os alicerces da Casa.

Enquanto em Loreto se venera a Casa desprovida de seus alicerces, em Nazaré ficaram a gruta e os alicerces sem a casa.

Análise de pedras, tijolos e argamassa


Loreto: a Santa Casa. O altar ocupa o lugar da gruta que ficou em Nazaré
Ao mesmo tempo em que a análise química da massa que une as pedras apresenta características típicas da zona de Nazaré, sua homogeneidade exclui qualquer possibilidade de uma hipotética desmontagem e remontagem das pedras.

A massa foi feita com sulfato de cálcio hidratado (gesso) engrossado com pó de carvão de madeira, segundo uma técnica utilizada na Palestina há 2.000 anos, mas jamais empregada na Itália.

Portanto, a Santa Casa chegou a Loreto com as pedras e os tijolos unidos pela mesma massa usada para uni-los há 2.000 anos em Nazaré, assim se encontrando até hoje.

Ensinamento dos Papas sobre a Santa Casa de Loreto


Beato Pio IX
O Bem-aventurado Papa Pio IX escreveu na Bula Inter Omnia, de 26 de agosto de 1852:

“Entre todos os Santuários consagrados à Mãe de Deus, a Imaculada Virgem Maria, um se encontra no primeiro lugar e brilha com incomparável fulgor: a venerável e augustíssima Casa de Loreto. Consagrada pelos mistérios divinos, ilustrada por inumeráveis milagres, honrada pelo concurso e afluência dos povos, a glória de seu nome atinge toda a Igreja Universal, e constitui muito justamente objeto de culto para todas as nações e para todas as raças humanas. Em Loreto venera-se aquela Casa de Nazaré, tão querida ao Coração de Deus, e que, fabricada na Galileia, foi mais tarde separada de suas bases e, pela força divina, trasladada além do mar, primeiro à Dalmácia e logo à Itália”.

E o Santo Pontífice acrescentou: “Exatamente em aquela Casa, a Santíssima Virgem, que por eterna e divina disposição ficou perfeitamente isenta da culpa original, foi concebida, nasceu e cresceu, e o celestial mensageiro A saudou ‘cheia de graça’ e ‘bendita tu és entre todas as mulheres’. Exatamente naquela Casa, Nossa Senhora, repleta de Deus e sob a ação fecunda do Espírito Santo, sem perder nada de sua inviolável virgindade, tornou-se a Mãe do Filho Unigênito de Deus”.

Também o Sumo Pontífice Leão XIII escreveu, em sua Encíclica Felix Lauretana Cives, de 23 de janeiro de 1894: “Compreendam todos, e em primeiro lugar os italianos, quão especial dom lhes foi concedido por Deus que, com suma providência, subtraiu prodigiosamente a Casa a um poder indigno [N.: refere-se aos muçulmanos ] e com um expressivo ato de amor ofereceu-a a eles. De fato naquela beatíssima moradia foi sancionado o início da salvação humana, com o grande e prodigioso mistério de Deus se fazendo homem, que reconcilia a humanidade perdida com o Pai eterno e renova todas as coisas”. E ainda: “Deus quis de tal maneira exaltar o Nome de Maria para tornar realidade neste lugar (Loreto), aquela famosa profecia: ‘Todas as gerações chamar-me-ão bem-aventurada’”.

Numerosos Papas aprovaram ininterruptamente desde o início a veracidade histórica do milagroso traslado da Santa Casa, engajando sua Suprema Autoridade Apostólica: desde Nicolau IV em 1292 até João Paulo II em 2005. S.S. Bento XVI visitou Loreto em 2007.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

TESTAMENTO ESPIRITUAL - PADRE HENRY CAFFAREL


EQUIPES DE NOSSA SENHORA

(39 – Apend – Test - esp)

 APÊNDICE

Conferência pronunciada, em São Paulo, pelo Cônego Henri Caffarel, por ocasião de sua viagem ao Brasil em setembro de 1972 e que ele apresentou como sendo seu
 
TESTAMENTO ESPIRITUAL
 
Quando um pai de família tem muitos filhos, a alegria é muita, mas as preocupações também. E eu tenho quatro mil filhos. Sou pai de uma família muito numerosa, com muita alegria e muitas preocupações. Mas, quando os pais descobrem que seus filhos, já crescidos, mantiveram toda a sua confiança para com o pai e a mãe, a alegria é excepcionalmente grande. Essa é a minha alegria: de ver que aquele pequeno número de equipes que encontrei no Brasil há quinze anos tornou-se um número tão grande e manteve a mesma confiança. Por isso vos digo a única coisa que aprendi em português: Muito obrigado! Não é fácil falar por meio de tradutor, e eu também não sei se minhas conferências serão muito difíceis de acompanhar ou se, ao contrário, vos parecerão muito simples. Por isso espero que me façais saber o que deverei mudar para que elas vos sejam proveitosas. Não me dirijo a vós como simples equipistas, mas como a grandes responsáveis: Representais a liderança do Brasil em termos de equipes de Nossa Senhora, e eu tenho a responsabilidade no plano supranacional. Por isso espero que, nestes três dias, reflitamos em conjunto. Não posso, absolutamente, contentar-me em transmitir-vos idéias prontas. As Equipes de Nossa Senhora devem ser continuamente reinventadas, e por isso é preciso que nestes três dias, nós reflitamos juntos. Não vou enunciar dogmas, vou propor temas para reflexão, o que é muito diferente. Vossa responsabilidade é grande porque no Brasil há umas trezentas e cinqüenta equipes. Minha responsabilidade é grande porque no mundo há uma quatro mil equipes. Vamos tentar, durante estes dias dar um passo adiante na reflexão, porque um movimento, uma igreja que não refletem sobre o contínuo ajustamento de sua atividade são um movimento e uma igreja que decaem e que, muito depressa, estarão em crise. O que aumenta a nossa responsabilidade, a minha e a vossa, é que estamos vivendo de uma maneira muito mais dramática do que há quinze anos atrás, quando vim pela primeira vez ao Brasil. Há uma grande cise na Igreja. Não é o caso de sermos um movimento conservados, que mantém a fé na Igreja; trata-se de ser um fermento de renovação, se não de revolução espiritual e, se as Equipes de Nossa Senhora, neste pós-Concílio, não forem fermento de renovação na Igreja, serão postas de lado, para dar lugar a novos movimentos mais ousadamente revolucionários capazes de trabalhar pelo “aggiornamento” da Igreja. Quando, na Idade Média, a vida monástica, que tinha durante séculos prestado tantos serviços à Igreja, permitiu-se viver na facilidade surgiram movimentos novos – cito apenas um: a grande revolução espiritual franciscana – que se puseram a trabalhar para renovar a Igreja. Será que as equipes de Nossa Senhora vão ser simplesmente aquele movimento que, durante um quarto de século, quando a Igreja ainda não enfrentava crises graves, manteve e desenvolveu a fé, tornando-se depois incapaz, quando a Igreja atravessa uma das mais graves crises de sua história, de trazer `1a igreja a sua parcela de socorros necessários para que ela volte a ser conquistadora, irradiante, resplendente da graça de Cristo? Essa é a questão que eu coloco. E eu estou certo que nem eu nem vós podemos aceitar a idéia de que as Equipes de Nossa Senhora só foram úteis durante um quarto de século. Nós queremos que elas sejam úteis para os séculos futuros, mas isso supõe que elas sejam repensadas em função dessa Igreja que precisa delas mais do que nunca. Por isso minhas cinco conferências vão ser um convite para a reflexão que vós aprofundareis, marido e mulher juntos, que nós aprofundaremos nos círculos, reflexões que permitirão, no fim destes dias, enxergar mais claro o meio de as equipes do Brasil trabalharem mais eficazmente para a renovação da Igreja no Brasil! Antes de abordar meu primeiro tema, peço-vos alguns instantes de recolhimento profundo, porque eu preciso que rezeis ao Espírito Santo para que Ele me ajude a vos dizer o que eu vos devo transmitir de sua parte, e vós precisais da ajuda do Espírito Santo para compreender não só com a inteligência, mas também com o coração, o que vos dirá a minha palavra. Algumas semanas atrás, eu precisava fazer uma conferência para as equipes da Alemanha. Era uma conferência só, e eu me perguntei: Se fosse morrer amanhã, sobre que assunto eu gostaria de chamar a atenção dos equipistas? Um assunto essencial, que seria como que o meu testamento espiritual. Pensei em falar sobre a reunião de equipe, tentando mostrar bem aos meus ouvintes que não se trata de uma reunião qualquer, mas de uma realidade cristã profunda. Não vos falarei, portanto, de métodos para uma boa reunião de equipe, mas do significado profundo de vossa reunião mensal. Começarei com uma pequena anedota, que poderá ser superficial, mas abrirá a conversa. Um sábio chinês, conta uma visão que teve, do inferno e do céu. No inferno havia uma enorme tigela de arroz, com uma multidão de pessoas sentadas ao redor, magras, descarnadas, morrendo de fome, com os olhos vidrados, agonizantes. Como é que morriam de fome, se havia uma tigela tão grande de arroz? É que eles tinham para comer o arroz, pauzinhos como todo o chinês que se preza. Mas os pauzinhos tinham dois metros de comprimento: davam para pegar o arroz, mas não davam para comer. Morriam de fome e isso era o inferno. Foi transportado ao céu. O mesmo espetáculo: a enorme tigela de arroz e pessoas em volta, bem alimentadas, grandes, gordas, felizes, sorridentes... e com os mesmos pauzinhos de dois metros de comprimento. Só que eles tinham descoberto que, em vez de tentar alimentar a si mesmos, como os do inferno, era melhor cada um dar de comer ao que lhe estava em frente. Pois bem. Há equipes parecidas com esse inferno, porque cada um só se preocupa consigo mesmo, e há equipes que se parecem com esse céu porque cada um vem para dar. Vamos tentar levar a reflexão um pouco adiante do sábio chinês, porque, afinal de contas, nós somos sábios cristãos. A partir de agora, eu vos peço aquele esforço de reflexão de que falávamos ainda há pouco. Quando se fala do desígnio de Deus, do grande plano de Deus, do grande projeto de Deus, há duas maneiras de entender as coisas: na primeira, muito difundida nos meios cristãos, que é um enfoque individualista demais, fala-se que Deus quer salvar o maior número possível de homens, mais ou menos como o pescador que deseja pescar o maior número possível de peixes ou o caçador que quer abater mais coelhos e aves. Mas não me parece que Deus veja as coisas dessa forma. Deus não está querendo salvar o maior número possível de indivíduos. Ele está querendo formar um povo. São João (11,52), define assim a missão de Cristo: reunir na unidade os filhos de Deus dispersados. O projeto de Deus é constituir o seu povo, o povo de Deus, ou uma família, se o preferirdes. Mas quando se trata da multiplicação dessa família, Ele não se dirige a cada um de nós individualmente para nos pedir que sejamos suas testemunhas individuais no meio dos homens. Ele pede a seu povo que seja um povo testemunha. Penso que compreendereis esses dois enfoques, e é muito importante compreender que o projeto do Senhor é um projeto que vê um conjunto e não apenas indivíduos justapostos. Portanto, há dois aspectos possíveis: o homem amado por Deus isoladamente e o homem visto por Deus em um conjunto, e seu plano nesse conjunto. Um automobilista não dá muito valor a um carburador isolado, colocado em cima de sua mesa. Ele quer é um carburador colocado no motor e dando conta do seu recado. Nós não somos, aos olhos de Deus, carburadores, alternadores ou outras peças isoladas; nós somos vistos no conjunto do povo de Deus. A vocação do cristão é antes de tudo a de existir como cristão, mas o cristão não recebe a salvação a não ser no interior do povo, da família de Deus. Além disso, o cristão tem um lugar no povo de Deus e, quando compreende que tem que ser testemunha de Deus, ele não se contenta em ir sozinho ao encontro dos outros, ele trabalha, coopera com o povo testemunha, tem seu lugar no testemunho grande que o povo de Deus, que a Igreja de Deus dá aos homens. É muito importante entender bem a Igreja sob este enfoque de povo-testemunha no meio dos homens e o cristão como inserido nessa Igreja e cooperando com a irradiação, com a fecundidade dessa Igreja. Observemos a posição de Cristo a respeito e perceberemos imediatamente que Ele não agiu visando converter indivíduos isolados. Ao contrário, toda a sua ação consistiu em formar um pequeno povo – no começo foi uma pequena equipe – que se tornaria uma assembléia maior, que se tornaria a grande Igreja, com quinhentos milhões de membros no século XX. Jesus Cristo trabalhou e formou um povo. Vejamos isso na Bíblia. Eu gostaria que vos trinásseis cada vez mais apaixonados leitores da Bíblia e principalmente do Evangelho. “Caminhando Jesus à beira do mar da Galiléia encontrou dois irmãos: Simão e André que lançavam a rede ao mar, porque eram pescadores. Ele lhes disse: Vinde comigo e vos farei pescadores de homens. Imediatamente, largando sua rede, eles o seguiram. Passando adiante, Ele viu outros dois irmãos: Tiago e João; estavam na barca com seu pai, consertando a rede. Chamou-os e, abandonando imediatamente a barca e o pai, eles o seguiram”. Cristo estava começando sua obra, e começou reunindo quatro moços que tiveram a generosidade de largar tudo para segui-lo. Os dias passam e Ele recruta outros. Para Jesus é um momento capital, trata-se de escolher bem os que vão fazer parte de sua primeira equipe. (Gosto de chamar o grupo dos apóstolos de equipe). É uma tarefa muito grave, e Ele a prepara com a oração, tamanho o cuidado de Cristo para formar um grupo. Subiu à montanha para rezar e passou toda a noite suplicando a Deus. Depois chegado o dia, chamou seus discípulos, escolheu doze a quem deu o nome de apóstolos. Vamos examinar com bastante atenção o que é que Jesus fez para que essa primeira equipe tivesse a extraordinária força explosiva que lhe permitirá conquistar todo o mundo mediterr6aneo e talvez a Ásia e até a Índia. Seu pensamento, todo o seu pensamento (como podeis ver não estamos longe de nossa vida de equipe) é formar uma equipe muito coerente, muito forte, tomada por um dinamismo interior. Observemos como Ele se empenha, pois não é simples o trabalho a que vai se entregar de formar uma equipe tomada por um dinamismo poderoso. Ele vai penar muito para conseguir isso, e começa formando a equipe e cada um dos membros da equipe. Sublinho a palavra formar. Reparai que Ele começa formando seu pensamento, porque tudo vai se firmar na visão das coisas que eles tiverem. Quantas vezes lançamos equipes à ação sem ter tido o cuidado de dar a seus membros uma visão bem clara, aguda e entusiasmadora da tarefa a cumprir! Mas Ele os ensina e lhes dirá poucas horas antes de morrer: “Já não vos chamo servos, mas amigos, porque vos ensinei tudo o que aprendi de meu Pai”. A primeira garantia dessa equipe, a que fundamenta seu dinamismo, é ter adquirido a própria visão que Deus tem de seu projeto. Ele não se contentou em lhes dizer o que é que tinham de pensar, disse-lhes também o que tinham que fazer. Mas os apóstolos não eram grandes intelectuais e Ele precisou formá-los, na vida comum com eles: dormiu e comeu com eles, viajou e rezou com eles, sofreu e se alegrou com eles a mesma coisa que vós, pais e mães, fazeis com os vossos filhos. As crianças não são formadas só com palavras, mas pela vida da família. Foi isso o que Cristo fez com os apóstolos e como dizem os universitários, fê-los fazerem ‘trabalhos práticos” para formar apóstolos e discípulos. De vez em quando lhes dizia: “Partireis sozinhos”, como pais que deixam seus filhos sair para aprenderem devagar a ser adultos. Mandava-os dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e vilas onde pretendia ir. Preparava-os para a sua missão futura fazendo-os “treinar”, dando-lhes “trabalhos práticos”. Os apóstolos não se amedrontavam, ficavam felizes como crianças em que se teve confiança, e estavam prontos para partir sem perguntar mais nada. Então, para temperar seu entusiasmo, um bocado primitivo, Cristo lhes deu senhas, e que senhas: “Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos”(que ducha fria no entusiasmo dos apóstolos!) e “Não leveis bolsa, nem bastão, nem calçado, etc.” Eles voltavam todo felizes com o que tinham feito. E, de novo, antes de sua morte, Cristo lhes diria o que os esperava. É bonito ver que Jesus não os queria enganar. Preveniu (João, 15): “O mundo vos odiará, mas é bom saberdes que me odiou primeiro. Se fosseis do mundo (e isto serve para nós também) o mundo amaria o que é dele, mas uma vez que não sois do mundo, porque minha escolha vos retirou do mundo, então o mundo vos odeia”. Ele continuou a formá-los, mas, quanto mais se adiantava nesse período de formação antes de sua morte, mais lhes dizia coisas pesadas. Dirigia-se aos apóstolos e também a nós. Na tarde da Quinta-feira Santa, (reler os capítulos 13 a 17 de São João), na vigília Ele lhes entregou com abundância todas as senhas, deixou-lhes o testamento espiritual. Então, Jesus morreu. Estava a equipe preparada para assumir a responsabilidade enorme de suceder a Jesus no mundo? Não. Eles tinham sido formados e a equipe preparada, mas os apóstolos não estavam “transformados”, a equipe não tinha sido “transformada”. Se tudo estivesse acabado nesse ponto os apóstolos jamais, jamais teriam convertido o mundo, apesar de terem sido formados durante tr6es anos por Jesus. Que é que faltava? Faltava o dia decisivo de Pentecostes. Jesus algumas horas antes de morrer, tinha-lhes dito aquela palavra que os entristecera: “É bom para vós que eu me vá”. Eles não puderam compreender. Vendo-os tristes, Ele explicou: “Porque, se eu não for, vós não recebereis o Espírito Santo, o meu Espírito e vós sereis sem grande fé, sem grande amor, sem grande coragem, a vossa equipe não ficará muito tempo coesa, e será desfeita”. Três anos de formação dada pelo próprio Filho de Deus não bastaram para fazer de doze homens os apóstolos. Então ele lhes anunciou o Espírito Santo, no qual nós cristãos acreditamos tão pouco e que, entretanto, é a única intervenção em uma vida, capaz de mudar um homem. Já algumas vezes, na história, o Espírito Santo tinha sido dado, mas não ao povo de Deus e sim a indivíduos excepcionais, aos libertadores, aos reis, aos profetas, e os judeus sabiam muito bem o que faz o Espírito Santo quando possui um homem. Ele faz um homem novo. Algumas vezes lhe dá uma força física, outras vezes lhe dá uma força de pensamento, de amor. Sansão tinha recebido o Espírito Santo, e um dia, atacado por um leão, possuído pelo Espírito de Deus, ele agarrou o leão pela cauda e o estraçalhou. Outra vez, cercado por centenas de inimigos, Sansão pegou uma maxilar de asno que estava lá pelo chão e esmagou todos os inimigos. Isso, aliás, me lembra uma história pessoal. Eu tinha sido ordenado padre havia pouco tempo e tinha prometido a um bom amigo, vigário do interior na frança, ir celebrar a missa principal do domingo e pregar a seus paroquianos. Eu lha havia dito: “não me faça cantar que chove”. Ele me fez cantar e o céu se fechou. Tinha pedido para eu pregar, mas, após o Evangelho, tomado de pânico fiz sinal a meu amigo que queria dizer-lhe alguma coisa na sacristia. Parece que o vejo ainda agora; era um homem forte, com os cabelos todo arrepiados. Disse-lhe: “Nada feito, padre, sou incapaz de pregar”. Respondeu, solene: “Se Sansão só com a queixada, venceu seus inimigos, que é que o Senhor não poderá fazer com um burro inteiro? Vá para o púlpito! “Mas o Senhor não fez milagres naquele dia. O Espírito Santo, para os judeus, que ainda não tinham uma visão muito clara das coisas, transformava os homens. Cristo anunciou aos apóstolos que toda a equipe e cada um deles seriam transformados pelo Espírito Santo. Convidou-os a esperar o Espírito Santo após sua morte e ressurreição. Durante a refeição de que participou com eles, recomendou-lhes que não saíssem de Jerusalém, mas ali esperassem a promessa do Pai (e a palavra promessa é um nome próprio do Espírito Santo) e aguardassem a vinda do Espírito Santo. E foi assim que se reuniram na sala de cima para rezar durante os dez dias que separam a Ascensão de Pentecostes. Levavam uma vida de equipe muito bonita, com amizade entre eles, rezando e recordando-se das coisas que Jesus havia dito. Quando o dia de Pentecostes chegou, estavam todos reunidos no mesmo lugar. É preciso notar bem que o Espírito Santo não foi dado a cada apóstolo isolado, estando um na rua, outro no templo, outro em sua própria casa. O Espírito Santo deu-se à equipe dos apóstolos. De repente, veio do céu um barulho como o de uma ventania, e o vento encheu a casa toda. E eles viram aparecer sobre eles línguas de fogo que se subdividiram e se impuseram sobre cada um. Deu-se a tremenda transformação. Os tr6es anos de Cristo com os apóstolos teriam dado em nada se não fosse o acontecimento de Pentecostes. Então, todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar línguas diversas conforme o Espírito Santo lhes mandava que se exprimissem. Havia milhares de pessoas em Jerusalém. Ouviram o barulho do vento e se reuniram ao redor da casa. Eram de todos os países do mundo porque era o tempo da grande festa que reunia os judeus dos quatro confins da terra. E grande foi a sua surpresa ao ouvirem aqueles doze pobres pescadores do lago, aqueles doze homens do povo, semi-analfabetos, falando em suas variadas línguas. E o que diziam aqueles doze pobres homens em plena Jerusalém, onde dois meses antes o Cristo tinha sido preso e crucificado? Que diziam? Nós lemos: as maravilhas de Deus. Pela força do Espírito Santo, aquelas mesmas pessoas a quem Cristo dissera: “Mas como sois lentos para compreender”, tornaram-se maravilhadas. Um verdadeiro cristão é um maravilhado. Mas não basta ter recebido os ensinamentos de Cristo. Precisa possuir também o Espírito de Cristo. E todos estavam estupefatos com a audácia, a alegria, o entusiasmo desse grupinho de homens simples. Observai: Já começava a contestação; alguns diziam aos que se entusiasmavam: “Estais enganados, eles estão b6ebados!” E então São Pedro fez seu primeiro grande sermão, um bocado pouco solene, aliás, mas é preciso desculpá-lo porque era o primeiro sermão que ele fazia. E sabeis como começou seu sermão? Defendendo sus companheiros. Disse aos contestadores: “Refleti, não é verossímil que sendo ainda nove horas da manhã, estes homens estejam bêbados!” Esse espírito de Cristo é que transformaria a comunidade. Foi só a partir desse momento que a comunidade, a equipe, passou a ser o que Cristo queria. Vamos ler agora uma descriçãozinha da equipe dos Apóstolos e dos discípulos: “Todos os crentes juntos, colocavam tudo em comum” (lembrar nossas partilhas e coparticipações). “Vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o que apuravam entre todos, de acordo com as necessidades de cada um, dia após dia, em um só coração”. Havia um único coração entre aqueles que outrora tinham conhecido invejas e rivalidades. Era o Espírito de Cristo que unia a equipe. “Eles freqüentavam assiduamente o templo, partilhavam o pão em suas casas, tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e eram bem aceitos por todo o povo”. Entendei o que eu queria dizer ainda há pouco, quando afirmei que Deus não pretende que cada um de seus filhos seja uma testemunha, mas, antes de tudo, que a família de sus filhos seja um povo testemunha, uma equipe testemunha. E essa pequena comunidade tem uma irradiação e uma fecundidade extraordinárias. Escutemos: “Pelas mãos desses pobres homens, transformados pelo Espírito Santo, aconteciam prodígios numerosos, a ponte de as pessoas levarem os doentes para as ruas, colocando-os em leitos e enxergas para que pelo manos a sombra de Pedro, em sua passagem, cobrisse alguns deles. E a multidão acorria das cidades vizinhas e pessoas tomadas por espíritos impuros eram curadas”. Há um ponto muito importante: o Espírito Santo não transformou aqueles homens em simples super-homens; manteve-os fracos. Foi através de suas fraquezas que ele fez os milagres. São Paulo é o apóstolo típico que permite a Cristo fazer milagres porque aceita continuar fraco, colocando sua fraqueza à disposição do Espírito de Cristo. Tinha pedido a Deus que o livrasse de uma enfermidade de que desconhecemos. Cristo respondeu: ”Minha graça te basta, porque meu poder age em tua fraqueza”. São Paulo não chegava a uma cidade todo cheio de si, sentindo-se eloqüente e seguro de que ia converter. Ele tinha chegado correndo, trêmulo, deprimido – disse uma vez aos coríntios. Mas justamente porque avançava ousadamente, apesar de sua fraqueza, o Espírito Santo passava através dessa fraqueza. Haveria muita felicidade e o orgulho ficaria muito favorecido se o Espírito Santo fizesse de cada um de nós alguém que se sente poderoso e sabe que vai provocar aplausos em toda parte. O Espírito de Cristo nos mantém fracos, mas o Cristo nos pergunta: “Mas é certo que acreditas”? É por isso que a fé é fundamental. “Porque a tua fraqueza me permitirá fazer grandes coisas”. E quando, certa vez, os discípulos estavam de volta e chegando perto de Jesus lhe disseram: “não conseguimos curar os doentes nem expulsar os demônios:” Cristo lhes respondeu: "na certa fostes velhacos, quisestes vos adiantar com as próprias forças, e o que vos faltou foi a fé para crer que não é o homem que tem forças, pois poderoso é o Espírito de Cristo através do homem”. A primeira equipe de Jerusalém foi fecunda, na Judéia, na Galiléia, na Ásia Menor, onde fundou outras pequenas equipes, ou ecclesias. Essas pequenas ecclesias são reproduções da primeira: reunidas por Cristo que não está visível, mas é sempre atuante, formadas por Cristo e habitadas pelo Espírito Santo. É isso que São Paulo chama de ecclesia. O conjunto de todas essas pequenas equipes, seria a grande Igreja. No correr dos séculos, estudar-se-ia muito o mistério da grande Igreja, e esquecer-se-ia o mistério da igreja pequena. Haveria uma Igreja grande com uma direção poderosa, e uma grande massa de cristãos. Mas, como viver em equipe se essa equipe tem 400 milhões de membros? Aí é que se descobriu a necessidade das igrejas locais. São Paulo as fundou, com um bispo ou um dos anciãos para as dirigir. Estava tentando salvaguardar o princípio da pequena comunidade, de um tamanho que fosse possível viver a exemplo da comunidade dos apóstolos. Em nossos dias ainda existem essas ecclesias locais, a que chamamos dioceses e são chefiadas por um Bispo. Mas quem vai fazer uma ecclesia com todos os católicos da cidade de São Paulo? Daí a necessidade de equipes mais restritas. Creio mesmo que todos os problemas atuais de “primavera renovada” da Igreja sejam resolvidos pela tentativa de suscitar em toda parte pequenas ecclesias, à imagem da primeira equipe reunida em torno de Cristo, formada por Ele e transformada pelo Pentecostes. A Igreja, nossa grande, nossa querida, nossa bem amada Igreja Católica só será salva na medida em que as massas amorfas de cristãos constituírem equipes coerentes, ao redor do Cristo, animadas pelo Espírito de Cristo. Essa é a missão das Equipes de Nossa Senhora na Igreja de hoje. Vamos ver agora as pequenas igrejas, que são as equipes de Nossa Senhora. Temos a certeza de que não são uma reunião qualquer mas uma ecclesia, porque Jesus Cristo disse: “Se dois de vós se reunirem sobre a terra para pedir, seja o que for, conseguí-lo-ão de meu Pai que está nos céus. Porque onde dois ou três estão reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles”(Mt 18,19). O problema é esse. Será que nossa equipe de Nossa Senhora é uma ecclesia, unida em torno de Cristo, que chama, que ensina, que forma e que sopra seu Espírito sobre cada um dos membros da equipe, ou é um mero círculo de estudos ou uma reunião de amigos? Não insisto mais porque estou justamente querendo propor à vossa reflexão este ponto! Que deveremos fazer de nossa equipe para que ela se pareça mais com a equipe que Jesus reuniu em torno dele, que ele formou e transformou no dia de Pentecostes? Olhando por todo o mundo, penso que uma minoria das equipes são reuniões e não pequenas ecclesias. Creio que, na grande maioria, as equipes são ecclesias, isto é, estão reunidas em redor de Cristo como os apóstolos antes da Ascensão, mas não são ecclesias de depois de Pentecostes, habitadas pelo Espírito Santo. Esse é que deve ser o objeto de nossa reflexão, de nossa pesquisa – levar uma reunião de amigos a se transformar numa ecclesia em torno de Cristo; transformar essa equipe em outra, posterior ao Pentecostes, habitada por um dinamismo poderoso. Corremos o risco de ser acomodados, pusilânimes, tímidos e de não ousar acreditar que Deus possa, ainda hoje, fazer através da equipe de indivíduos simples, coisa maravilhosas como as que fez através dos apóstolos logo depois de Pentecostes. Há quem ache que já é alguma coisa estarmos reunidos ao redor de Cristo. Mais uma vez, digo que isso não é suficiente. Se a equipe dos apóstolos não tivesse conhecido o dia de Pentecostes, teria ficado mais ou menos estéril. Nós precisamos enfrentar o problema: que fazer para que uma ecclesia se torne uma ecclesia pentecostal, como no dia seguinte ao da vinda do Espírito Santo? Tomai nota disso: um casal, marido e mulher, é uma pequena ecclesia. Uma família, pais e filhos, forma uma pequena equipe e pode, e deve, ambicionar ser uma equipe pós-pentecostal. É uma observação que vos faço. Marido e mulher, pensai nisso. Façamos dois minutos de recolhimento. Deus está entre nós. Adoremos, agradeçamos, peçamo-lhe o seu Espírito. HENRI CAFFAREL A Equipe nº 15 de São Paulo (antiga 35) oferece aos equipistas o texto integral da introdução geral e da primeira conferência do Con. Caffarel em Itaici, e responsabiliza-se pela transcrição da gravação e pela tradução. www.ens.org.br

MATRIMÔNIO, O SACRAMENTO DA CRIAÇÃO


O casamento é uma entrega mútua de amor

A "Teologia do Corpo" faz parte dos ensinamentos proferidos pelo saudoso Papa João Paulo II; é um conjunto de 129 catequeses que dizem respeito ao amor humano.

Nós nos voltamos para o dom extraordinário da Santa Missa, na qual Deus se entrega por nós. O que a Eucaristia tem a ver com o matrimônio? O saudoso Pontífice polonês viu, com clareza, a existência de um nexo, uma ligação entre a comunhão que vivemos na Eucaristia e no ato conjugal, unindo ambos.

Nas 129 catequeses, João Paulo II nos fala de duas uniões: O casamento de Adão e Eva, no livro de Gênesis, e as núpcias do Cordeiro, no livro do Apocalipse, no casamento em que Deus se une à humanidade. Hoje os casamentos duram pouco, pois logo se deterioram em função da cobrança. Qual é a cobrança no casamento? A felicidade; o casamento está mal porque essa cobrança é injusta. Ninguém é capaz de fazer o outro feliz; fomos feitos para Deus.

Santo Agostinho nos recorda: "O coração é inquieto até que se encontre em Deus". Na terra, somos como uma pessoa que viajou à noite toda, coloca a cabeça de um lado e de outro sem ter como repousá- la. A vida neste mundo é uma viagem, na qual nós não temos onde repousar a cabeça. Não podemos transformar o outro no porto seguro, pois somos companheiros de viagem.

Papa João Paulo explica que, antes da vinda de Jesus, o matrimônio era uma espécie de sacramento da criação. O homem e a mulher ajudam nessa criação, no ventre da mulher acontece o milagre de criar do nada a alma do ser humano [com a graça do Espírito Santo]. A Igreja não é contra o sexo; ela aprecia tanto a sexualidade e dá tanto valor a isso que lhe dá um valor sagrado. Por sua natureza, o sexo tem algo de divino, mas isso ainda não é o suficiente para torná-lo sacramento.

O casamento entre dois batizados é um sacramento, porque é uma participação na redenção, é salvífico porque é uma entrega. É a entrega da sua vida para fazer com que o outro chegue à felicidade, que é Jesus. Você não é a fonte da felicidade, mas deve entregar a sua vida para alcançar a felicidade, um se faz sacrifício ao outro.

O ato da união sexual entre o marido e a mulher é prazeroso, faz com que ambos fiquem satisfeitos, mas também é uma entrega. O esposo entrega o seu corpo à esposa, e ela se entrega ao esposo, é uma doação. Essa entrega em Cristo é um sacramento, não simplesmente pela criação de Adão e Eva, mas no ato da cruz.

Quando pagãos se unem no casamento participam da criação. Mas, quando batizados se unem em matrimônio eles participam da Igreja. Essa união maravilhosa de entrega mútua entre Cristo e a Igreja se torna visível na entrega pela sua esposa e pelo seu esposo.

Na Eucaristia vivemos o grande mistério em que o Esposo [Nosso Senhor Jesus Cristo] entrega o Seu Corpo pela Esposa [Igreja]. O Esposo dá tudo o que é por amor. O matrimônio é uma "cruz", pois é uma entrega de amor. O mundo perdeu a noção do amor, ele não é subjetivo e pessoal.

Quando os namorados se unem sexualmente, muitos criticam a Igreja dizendo que julgamos o amor deles, mas isso não é amor, é egoísmo. Nós católicos sabemos que amor não é sentimento, mas existe um sentimento que acompanha o amor, pois o amor é uma entrega e não é um sentimento subjetivo, pois, você pode se sentir bem tomando um veneno, como as drogas. O mundo moderno quer “viajar” no amor, quer se sentir bem, mas o sentimento pode ser gostoso e profundamente egoísta.

O sexo é uma entrega total, o corpo fala, pois é uma linguagem. Se uma pessoa diz: "Eu te amo" – com os lábios cerrados e com gestos negativos – você vai acreditar no corpo ou na palavra dela? O corpo, na relação sexual entre marido e mulher, diz: "O meu corpo é todo seu". Mas quando o sexo está no namoro não há entrega total; quando cada um vai para sua casa é uma mentira. Somente no matrimônio, na entrega para sempre, é que ocorre a entrega total, isso é redentor, sacramento que Jesus nos revelou na cruz.
Você vive uma crise conjugal? Olhe para a cruz no sacrifício do calvário e peça a Deus a força de se entregar, em derramar o sangue pelo (a) seu (sua) esposo (a) e filhos.

Papa Bento XVI afirmou: "O amor-ágape deve buscar forças no amor-erótico", ou seja, no amor que temos. Ao desejar Deus, podemos usar nossos afetos. O amor não é só sentimento, mas ele se expressa no desejo.

Padre Paulo Ricardo
http://padrepauloricardo.org/

domingo, 15 de abril de 2012

O DISCURSO DE CHANTILLY (PADRE HENRY CAFFAREL)

EQUIPAS DE NOSSA SENHORA
O CARISMA FUNDADOR
DAS ENS

Junho 2006

INTRODUÇÃO:
1 - Qual o carisma fundador das ENS?
2 - O que foi bem visto, bem compreendido e bem assimilado do carisma fundador
3 - O que foi menos bem visto do carisma fundador
4 - O que não podia ter sido visto do carisma fundador


INTRODUÇÃO
Vamos recolher-nos durante um instante? Pois o assunto é importante. Vamos tentar penetrar um pouco mais nos pensamentos do Senhor; por isso façamos alguns segundos de oração.
1 - Qual o carisma fundador das ENS?
Para melhor me fazer compreender, permitam-me partir duma recordação. Há cerca de vinte anos, encontrava-me em Roma, na Comissão dos Religiosos, organismo que supervisiona, orienta e dirige as congregações e ordens religiosas de toda a Igreja. Conversava com um dos eclesiásticos dessa Comissão e ele disse-me: «Todos os anos temos uns setecentos, oitocentos, mil pedidos de aprovação para a fundação de novas ordens». Fiquei surpreendido com esse número e então esse religioso, certamente um pouco misógino, acrescentou: «Para falar com franqueza, a maior parte desses pedidos provém de mulheres. Elas não estão muito dispostas a ser noviças numa ordem antiga, e então fundam uma ordem nova para serem logo superioras.» E esclareceu-me que tais pedidos podem ser classificados em três categorias:
• a dos que apresentam motivações ou ideias inteiramente discutíveis, que são logo eliminados;
• a dos que têm boas ideias, ideias muito edificantes para fundar uma nova congregação, que são postos em estudo e provavelmente virão a ser autorizados;
• e uma terceira categoria, em que se sente haver provavelmente, um carisma fundador já no início.
Mas, a bem dizer, nunca isso é logo percebido, e será o futuro que decidirá.
Que se deve entender, então, por «carisma fundador»? É coisa muito diferente de uma boa ideia, de uma ideia edificante; é uma inspiração do Espírito Santo, que será como um dinamismo a conduzir a instituição durante todo o seu desenvolvimento e lhe permitirá cumprir a sua missão.
Há grupos que no início têm um carisma fundador, mas que, com os anos, entram em decadência. A história da Igreja apresenta muitos exemplos disso; e a razão é que os sucessores não foram suficientemente fiéis ao carisma fundador pela reflexão e pela oração; daí o seu declínio.
Aquele homem da Congregação dos Religiosos acrescentava: «Foi exactamente por isso que o
Concílio pediu, com muita insistência, às ordens religiosas e às congregações que fizessem um
«aggiornamento». Isto é, que procurassem uma renovação e um renascimento, a partir da reflexão e da pesquisa sobre as necessidades dos seus membros, de molde a corresponderem às exigências do tempo actual e futuro.» Há três elementos que se devem considerar, quando se empreende esse «aggiornamento», como vocês o fazem depois de 40 anos:
Primeiro, voltar à nascente, porque às vezes está assoreada. Essa nascente é o que eu chamo de carisma fundador. Há ordens religiosas que se bifurcam no meio do caminho. Penso em certa ordem, que conheço bem. No começo era uma ordem de mulheres, fundada para a instrução de crianças pobres. Mas actualmente tem apenas colégios para certa elite social. É evidente que essa elite social fornece mais vocações do que as crianças pobres ... Aí está um tipo de infidelidade ao carisma fundador. Portanto, voltar à fonte.
Em segundo lugar, terem conta as necessidades e os valores do período em que nos encontramos.
Cada período traz para a Igreja e para a Sociedade novos valores; valores positivos e valores negativos. É preciso ter em conta os valores positivos e as necessidades dos indivíduos. E verificar em que medida esses valores, que pensamos adoptar, se situam na linha do carisma fundador.
Há alguns anos, sucedeu que certos trapistas pediram ao seu superior permissão para se tornarem padres-operários. O superior reflectiu e disse-lhes que isso não cabia no carisma fundador. O que não queria dizer que menosprezasse os padres-operários, mas que os trapistas tinham outra vocação.
Terceiro: voltar à fonte, acolher as necessidades e os valores actuais, na medida em que são assimiláveis, e depois encarar uma prospectiva. Em que direcção se deve incitar o Movimento a avançar, sempre na fidelidade ao carisma fundador? Essa noção de fidelidade ao carisma fundador é capital, mas é preciso não confundir ser fiel com ser fixo.
Pois bem, atrevo-me a crer hoje, após quarenta anos, que na origem das ENS houve um carisma fundador. Mas, atenção! Não me tomo por inspirado, nem por profeta, nem por santo.
No começo não se suspeitava qual seria o futuro. Não se dizia: «O Espírito Santo levou-me a fazer isto». É só hoje, após quarenta anos, diante do desenvolvimento das ENS, que eu penso: em 1939, com os quatro primeiros casais, houve alguma coisa que não era apenas uma boa ideia; alguma coisa mais do que o simples entusiasmo; aquele encontro não foi um encontro fortuito; a Providência e o Espírito Santo ali estavam por alguma razão. Agora dou graças ao Senhor, mas ao mesmo tempo faço-me uma pergunta. E é disso que lhes vou falar.
O que foi bem compreendido do carisma fundador, no decurso destes anos? O que, nesse período, não foi bem compreendido? O que era impossível compreender, e que se compreende melhor na actual conjuntura?
Quando se propõe um «aggiornamento» como vocês pretendem, é preciso respeitar uma grande lei. Aliás, não somente nos momentos decisivos, mas em todo o decurso da sua evolução. Por um lado, quanto aos dirigentes, é preciso que estejam sempre muito em contacto com as bases. E por isso que, quando uma ordem religiosa faz um «aggiornamento», se consultam todos os membros da ordem. É muitas vezes na base que o carisma fundador foi conservado com uma certa pureza. Mas, por outro lado, é preciso estar muito em contacto com a base para lhe transmitir o que nós compreendemos, o que a cabeça compreende.É sempre muito grave quando há uma distância entre a cabeça e os membros. É um problema muito difícil, de que me apercebi nas ENS. Houve um tempo em que eu estava todos os quinze dias, ou todos os meses, em contacto com todos os casais responsáveis. E evidentemente era um contacto muito directo. Mas depois, pouco a pouco, toda uma hierarquia foi organizada e, nestas condições, o contacto é muito mais difícil de se estabelecer. Mas é preciso procurá-lo, custe o que custar. Agora, então, a primeira parte que lhes anunciei:
2 - O que é que foi bem visto, bem compreeendido e bem assimilado do carisma fundador?
Não posso deixar de lhes fazer um relato daqueles inícios. Era a semente, na qual estava todo esse dinamismo que impulsionou o Movimento. Um dia, em Março de 1939, uma mulher casada veio falar comigo, perguntando-me se queria ajudá-la a caminhar na vida espiritual. Aceitei, é claro. Quinze dias depois, pediu-me para receber o marido, ao que também acedi. Um mês depois, ambos me perguntaram se aceitava ter uma reunião com mais três casais amigos, que se interrogavam sobre a maneira de progredirem na vida cristã. Eram quatro jovens casais de menos de trinta anos. Hesitei, porque tinha passado por uma cruel aventura. Numa abadia, tinha acompanhado um grupo de escoteiros; houve um debate, e eles fizeram-me a seguinte pergunta: «Padre, será que nos poderia falar sobre o amor?». Então, confiante nos meus conhecimentos de psicologia escolástica, disse-lhes: «Amar é querer o bem para alguém». Foi uma gritaria: «Querer o bem? O senhor não compreende nada disso!» Tive de bater em retirada, dizendo-lhes que a questão merecia ser vista de diversos ângulos. O que não impediu que ficasse um pouco humilhado por esta pequena aventura. Então, quando me vi confrontado com essa proposta de casais, faltou-me a coragem. Mas, apesar disso, fui. Eles eram muito representativos dos jovens casais daqueles anos.
Tinham realizado uma dupla reconciliação. Em primeiro lugar, uma reconciliação entre o amor e o casamento. Nessa época e em anos precedentes, repetia-se muitas vezes uma frase célebre: «O amor é uma coisa, o casamento é outra». Creio que foi Maurois ou Mauriac quem escreveu essa frase. Pois bem, esses jovens casais, quase todos saídos do escotismo, tinham efectuado essa reconciliação: amor e casamento eram uma só e mesma coisa. Nenhum tinha tido aventuras sentimentais anteriores, o seu primeiro amor fora seu o cônjuge. E o seu casamento era um alegre amor. E tinham efectuado uma segunda reconciliação: religião e amor de Cristo é tudo uma coisa só. Não sei se vocês podem imaginar como era naquela época e alguns anos antes, por exemplo, quando eu estava no Secundário: não se falava no amor de Deus. Na França, ainda estávamos muito influenciados pelo jansenismo, e seria apontado a dedo um padre que falasse do amor de Deus. Tive a sorte de encontrar um director espiritual que me falou do amor de Cristo. Mas, nos meios católicos, havia toda uma reconciliação a ser feita; e aqueles quatro casais tinham feito essa reconciliação.
De modo que tinha na minha frente casais habitados por dois amores: o amor do cônjuge e o amor deCristo. À primeira vista, pode-se pensar que tanto o amor conjugal como o amor de Cristo são amores totalitários, intransigentes. Ora, eles mesmos faziam uma experiência curiosa: esses dois amores, tão absolutos, conciliavam-se perfeitamente na vida espiritual, embora lhes custasse compreender como se operava essa conciliação do amor do cônjuge e do amor de Cristo. E era por isso que tantos ansiavam em descobrir: como progredir na santidade com esses dois amores no coração. A primeira reunião que tivemos foi muito alegre, muito cheia de ambições, a partir dessa grande alegria que eles tinham de se amar e de amar a Cristo. Apresentaram-me trinta e seis perguntas, e imediatamente perdi as minhas apreensões. Eu próprio fiquei admirado por me sentir tão à vontade. E então compreendi por quê: havia dez ou quinze anos que eu vivia com Cristo uma relação de amor; e, diante desses casais a falarem-me do seu amor, descobri que se repetiam na vida do casal as mesmas leis que eu tinha descoberto na minha relação com Cristo. As leis do amor são as mesmas em toda a parte. E foi isso que imediatamente me conquistou e entusiasmou. íamos, portanto, poder ajudar-nos uns aos outros: eles iam trazer-me a realidade concreta que viviam, e eu levar-lhes-ia algumas noções de espiritualidade que possuía. Quantas vezes disse a mim mesmo que, se em vez de encontrar esses quatro casais, tivesse começado o meu ministério numa paróquia, fazendo a descoberta do casamento no confessionário, não teria de modo nenhum evoluído da mesma maneira! Teria conhecido as dificuldades morais, teria conhecido as dificuldades psicológicas, teria tido uma ideia muito mais sombria da união do homem e da mulher. Felizmente, comecei a interessar-me pelo casamento com esses quatro casais.
A outra ideia, pois, que tivemos desde o princípio foi descobrir o pensamento de Deus sobre o casal e sobre todas as suas realidades. E penso que apreendemos com isso um dos elementos fundamentais do carisma fundador. Tanto que fizemos uma lista de todos os elementos que compõem a vida do casal e a vida da família, e resolvemos procurar sucessivamente a vontade de Deus sobre cada um deles. Não suspeitávamos que, quatro meses depois, haveria a declaração de guerra, e que os quatro casais iam dispersar-se, e eu próprio ia partir para o exército.
A segunda orientação: nenhum deles tinha dificuldade de pensar que a sua vocação era a santidade, que lhes parecia o desenvolvimento do amor, a realização plena tanto do amor conjugal como do amor de Cristo. E a reflexão fê-los logo descobrir, duma maneira completamente nova, o sacramento do matrimónio. Não como uma simples formalidade, mas como uma prodigiosa fonte de graça, em que Cristo vem salvar o amor, enfermo desde o pecado original, trazendo-lhe auxílios e graças enormes.
Outra coisa pareceu-nos muito importante. Proveio duma mulher, durante uma reunião, quando estávamos a rezar, porque em cada uma dessas reuniões rezávamos espontaneamente; era uma necessidade, sobretudo a necessidade de louvar a Deus, por aquilo que aqueles casais viviam e por aquilo que descobriam do pensamento de Deus. Estavam encantados ao descobrir que Deus tinha uma tão maravilhosa ideia do amor humano ... Pois bem, um dia, durante a oração, uma das mulheres dirigiu-se a Deus nestes termos: «Senhor, nós te agradecemos pelo casamento dos nossos dois sacramentos: o sacerdócio e o matrimónio». Penso que essa reflexão tinha grande alcance, e que faz parte desse dinamismo do começo: a aliança do sacerdócio, que representa a Igreja, o pensamento da Igreja, com os casais que trazem as suas riquezas, as suas necessidades, os seus problemas, e a necessidade de diálogo, para que o ensinamento da Igreja não fique desligado das realidades concretas, mas se esforce por corresponder, não só às necessidades, mas também às aspirações dos casais. Durante toda a vida das ENS fizemos muita questão da união dos dois sacramentos. Fizemos quatro reuniões. E pronto, foi tudo. Mas, diria que foi o bastante para decidir da minha vocação. Estava muito entusiasmado a partir dessas reuniões. Regressei em Julho de 1940, depois de ter fugido por três vezes aos alemães; fui nomeado pároco duma paróquia e logo deparei com outros casais a quem contei a experiência que tínhamos tido, e que me pediram para fazer também com eles reuniões de casais.
O clima era muito diferente. Havia a guerra, as restrições, o sofrimento, a ameaça e, por vezes, a visita da Gestapo a um ou outro desses casais, sendo o marido despachado para um campo de deportados ... Conservamos o entusiasmo de antes da guerra, porque o seu fundamento era o pensamento de Deus sobre o matrimónio; mas, ao mesmo tempo, tomamos consciência que a vida humana não é um caminho fácil. Então, com muita vontade e tenacidade, tentámos aprofundar a doutrina do matrimónio, do pensamento da Igreja sobre todos os aspectos do matrimónio. Interrogamo-nos sobre a forma de viver cristãmente as realidades conjugais e familiares. E depois alargamos a nossa pergunta: «Como viver, no estado de casados, todas as exigências da vida cristã?» - creio que é o mais exacto. E principalmente pareceu-nos ser necessário, custasse o que custasse, elaborar uma espiritualidade para cristãos casados, porque era evidente que o ensinamento corrente da Igreja e dos padres, para os homens e as mulheres que queriam santificar-se, era uma espiritualidade elaborada por monges e religiosos. Havia, portanto, uma descoberta a ser feita, pois, de contrário, estaríamos condenados a um impasse: os casais jamais iriam longe no caminho da santidade se continuassem presos a uma espiritualidade de monges. Por isso, durante esses anos da ocupação, tivemos o primeiro aprofundamento, um aprofundamento doutrinal, tendo a impressão que nunca acabaríamos de aprofundar o pensamento de Deus sobre o matrimónio.
O segundo aprofundamento foi o da amizade, nessas circunstâncias tão difíceis, por vezes dramáticas, a que acabei de aludir. Compreendemos que aquelas reuniões de casais não tinham por fim simplesmente aprofundar uma doutrina, mas permitiam também criar laços de amizade, em vista de uma entreajuda, e com isso esses grupos de casais compreenderam que um aspecto de sua vocação era a entreajuda. A entreajuda e a oração. Da primeira vez que um dos maridos foi levado pela Gestapo, recordo-me que nessa tarde imediatamente telefonamos a todos os outros casais, e decidimos ir para a casa daquele casal passar a noite em oração. As mulheres tinham leitos e divãs, e nós, os homens, ficámos na sala de estar, deitados debaixo de cobertores. E revezamo-nos durante toda a noite em oração na casa daquele casal, cujo marido, aliás, regressou da deportação. Essa necessidade da oração revelou-se-nos como extremamente forte, e foi a partir de então que não pude conceber uma reunião de casais sem oração. Passou-se isto de 1940 a 1945. Vários prisioneiros e deportados regressaram, outros infelizmente não voltaram. Os grupos multiplicaram-se, tornaram-se moda. Alguns vinham com a preocupação de aprofundar o pensamento de Deus; mas havia também quem viesse simplesmente para encontrar amizades humanas; e, depois, talvez também por snobismo.
Percebi que pesava sobre esses grupos uma ameaça de desmoronamento: que em vez de ter um ideal muito elevado, se contentassem com qualquer coisa de fácil. Era uma viragem decisiva. Foi nesse momento que fui levado a reflectir, a interrogar-me, como é que os religiosos caminham durante toda a sua vida para a santidade sem recaída, sem desalento, sem abandono? Porque têm uma regra. E veio-me ao espírito esta ideia, em que me detive e de que falei com os outros: «Se queríamos evitar uma derrocada, ou, pelo menos, a procura de caminhos mais fáceis, era preciso que tivéssemos uma regra.» Foi em 1945, 1946 e 1947 que pensámos na «Carta». Logo, porém, tivemos consciência que, se fizéssemos isso, arriscávamos perder uma grande quantidade de casais! E, de facto, em 8 de Dezembro de 1947, na cripta da Igreja de Santo Agostinho, em Paris, para onde convocáramos todos os casais da região - correra o boato que se lhes ia propor alguma coisa de exigente - um terço dos casais abandonou-nos. Não aceitaram a lei da exigência. Ficamos abalados, perguntando-nos se não teríamos sido excessivamente ambiciosos. Mas afinal, nos anos seguintes, descobrimos que continuavam firmes justamente os grupos de casais que tinham aceitado exigências E houve a explosão, a expansão inesperada pelos quatro cantos do mundo. Houve as grandes concentrações, nomeadamente os nossos encontros de Lourdes e de Roma.
Lembro-me muito bem que, em 1959, se levantou a questão: «São as Equipas de Nossa Senhora um movimento de iniciação à espiritualidade conjugal e familiar? Se assim é, se são movimento de iniciação, devemos deixá-lo logo que estejamos iniciados. Uma criança não fica toda a vida no jardim-de-infância.» E, com efeito, sentíamos o perigo de as ENS se tornarem jardins-de-infância para adultos. Mas, então, o nosso Movimento não seria antes um Movimento de perfeição? A resposta dada no encontro de Roma foi que é preciso que as ENS sejam, ao mesmo tempo, Movimento de iniciação e Movimento de perfeição. É mais simples: é preciso que se inventem regras que permitam aos seus membros progredir na caminhada.
É isso. Será necessário resumir os elementos do carisma fundador, tal como se foram revelando no decurso destes anos?
Pois vou fazê-lo. E vejo sete:
- O casamento é uma obra de Deus, a obra-prima de Deus.
- O casamento tem uma alma, que é o amor. E esquecer o amor é condenar o matrimónio.
- Os homens e as mulheres não podem ser fiéis ao amor sem o auxílio de Cristo. Por isso ele inventou o sacramento do matrimónio, que é preciso aprofundar.
- Os cristãos casados, tal como os outros, como os monges, são chamados à santidade. Essa foi uma descoberta bastante original, porque ainda não tinha havido o Concílio, e foi aí que se insistiu muito sobre vocação dos leigos à santidade.
- A vida conjugal comporta grandes riquezas e também grandes exigências.
- É necessário e indispensável elaborar uma espiritualidade do casal. Não pode ser a espiritualidade do celibatário ou do monge.
- Não se pode viver isso senão com a ajuda de um Movimento, que oriente os pensamentos e enquadre a vida.
Isto o que foi bem assimilado do carisma fundador.
3 - O que foi menos bem visto do carisma fundador
Agora quero dizer-vos o que, na minha opinião, foi menos bem visto.
Em primeiro lugar: entusiasmado com esses jovens casais tão ricos de amor, eu tinha pensado que o amor fosse o grande factor de perfeição, e que era preciso dizer-lhes: «Sejam fiéis ao amor!» Não me tinha lembrado que Cristo oferece dois meios aos que querem tender para a perfeição: o amor e a abnegação. Deus quer perfeição do cristão, quer a perfeição do casal, quer que o ser humano se torne perfeito, e essa perfeição só poderá ser obtida pela fidelidade ao amor e à abnegação; ou seja: ao dom de si e ao esquecimento de si.
O amor e a abnegação são as duas faces da medalha. Não há amor sem abnegação, e uma abnegação que não seja uma abnegação de amor é uma abnegação impossível de se praticar. Reflectindo sobre isso, compreendi que o Senhor inventou o matrimónio como grande meio de desenvolver o amor, e como grande meio de favorecer a abnegação.
Compreendi que a abnegação não deve estar ao lado do amor, mas que a verdadeira abnegação é precisamente impor-nos o compromisso de nunca deixar de amar, de viver sempre na atitude do «para ti» e nunca na atitude do «para mim». Para caminharmos nas estradas da terra, o Senhor deu-nos duas pernas. Para caminharmos nas estradas da santidade, o Senhor deu-nos dois meios: o amor e a abnegação.
Apercebi-me, então, que eu tinha incitado os casais a caminhar com apenas um pé para chegarem ao termo. E não se vai longe caminhando com apenas um pé, sendo necessário avançar com os dois pés, um após outro. E quanto a isto não estou muito certo de que tenha entrado bem no espírito das ENS.
O matrimónio é, pois, um grande meio de amor e um grande meio de abnegação. Grande meio de abnegação, precisamente para permitir o amor. Lembro-me do seguinte episódio: depois de uma conferência sobre a espiritualidade conjugal, uma mulher, que devia ter uns sessenta anos, veio ter comigo e disse-me: «Muito obrigada, Padre. Que pena não termos conhecido tudo isso,, meu marido e eu, quando nos casamos!» (Curvei-me com deferência). «Vou dizer-lhe uma coisa». (Esperei uma confidência, mostrei-me respeitoso). «Posso dizer-lhe tudo. Pois bem, o coronel (quando falava do marido, era sempre «o coronel», como se só houvesse um coronel na terra ) quando o desposei, estava já muito, muito avançado na vida espiritual. Ora, posso dizer-lhe o que sucedeu: ele fazia parte da ordem terceira franciscana e ... (a confidência saía com certa dificuldade) trazia um cilício. Ora, devo acrescentar que era a mim que esse cilício arranhava. Tive vontade de lhe dizer (mas contive essa pequena maldade): “Mas ele deveria ter compreeendido que uma mulher é suficiente e que não tinha necessidade de acrescenar um cilício” ...
Moral da história: o verdadeiro meio de morrer para si mesmo, para este velho egoísmo que incessantemente nos atormenta, é amar, amar de manhã até à noite, e nunca se deixar cair no «para mim»; e ficar sempre na atitude do «para ti». O Senhor inventou como o melhor meio para nos fazer progredir no amor e na abnegação o matrimónio. Os religiosos têm outra coisa os casados têm o matrimónio Segundo ponto que não foi visto de maneira suficientemente clara: a sexualidade no matrimónio. Não a desconhecíamos, e esses casais jovens tinham até muita facilidade de falar nesse assunto de modo descontraído. Mas, apesar disso, não aprofundamos o problema, não aprofundamos o sentido humano e o sentido cristão da sexualidade. Não ajudamos suficientemente os membros das ENS a alcançar a perfeição humana da sexualidade, a perfeição cristã da sexualidade.
Senti isso de tal maneira que, quando projectámos a peregrinação a Roma, em 1970, tendo o Papa perguntado sobre que tema desejaríamos que ele nos falasse, propus que nos fizesse um discurso sobre o sentido humano e cristão da sexualidade. Até preparámos uma nota de trinta páginas sobre o assunto, que foi submetida a Paulo VI. Mas ele mandou--me dizer: «A questão ainda não está amadurecida. Não posso aceder ao seu desejo.» E, de certa forma, não o lamentamos, porque nos fez esse admirável discurso que todos conhecemos. Mas, para facilitar o trabalho de Paulo VI, tínhamos lançado um grande inquérito, que comportava umas cem ou cento e cinquenta perguntas sobre a vida sexual de cada um dos membros das Equipas, com a minha garantia expressa que o anonimato seria rigorosamente respeitado, mas pedindo-lhes que respondessem com toda a franqueza. E recebemos mais de meio milhar de respostas a esse inquérito. Simplesmente, como o Papa renunciou a esse assunto, tal inquérito ficou a dormir durante todos esses anos. E foi somente no ano passado que eu disse a mim mesmo: «Não é possível deixá-lo a dormir», e comecei a examiná-lo. Já li, creio eu, umas oitocentas respostas, e respostas que têm entre vinte e cinquenta páginas. Não é um trabalho pequeno. Mas tem sido para mim uma verdadeira descoberta. Eu não era nenhum jovem inocente, já tinha recebido muitas confidências de muitos casais, mas não tinha uma vista de conjunto da vida sexual dos casais, dessa categoria de casais das Equipas. Fiquei abalado e continuo muito impressionado. E espero que, se Deus me der vida, poderei expor num livro as minhas conclusões.
A primeira coisa que me impressionou fortemente foi o mutismo dos pais a tal respeito. Uma negligência de 95%. Vocês irão dizer-me: «Essas respostas são de 1969; não são de casais de 1987.» Duvido, porém, que haja actualmente um progresso muito grande nesse domínio. Portanto, mutismo dos pais, o que quer dizer dificuldade da maior parte dos filhos, rapazes e moças, dificuldade de que eles não ousam falar, e consequentemente sentimento de culpa, muitas vezes sentimento neurótico de culpa. Impressionam-me essas perturbações durante a infância, essas consciências perturbadas durante anos, o que quer dizer noivados mal vividos, porque os pais não dizem nada e os padres não dizem muito mais. Muitas vezes, um grande número de noivados são mal vividos, porque os noivos não sabem exactamente, como eles dizem, o que é permitido e o que é proibido. Começo do casamento muitas vezes catastrófico, a um ponto que eu nem imaginava, porque não se fala disso. A harmonia sexual raramente alcançada no começo. Muitas vezes é preciso esperar dois ou três anos, por vezes dez, quinze anos e, em muitos casos, jamais é realizada. E esse inquérito revelou-me até que ponto ela é de importância capital. Desse inquérito igualmente verifiquei que o sentido cristão da sexualidade é quase totalmente ignorado pelos casais das Equipas. Não chegam a 2% os que dão uma resposta verdadeiramente rica a estas perguntas: «Qual é o sentido cristão da sexualidade? Como viveis cristãmente a vossa sexualidade?»
Outra coisa que resulta de tudo isto é que a maioria dos casais que responderam (agora isso está mudado) tinha grande preocupação em respeitar o que eles chamavam de «a lei da Igreja». Conseguiam-no dificilmente, frequentes vezes com muita impaciência e talvez revolta. Mas não se preocupavam com a qualidade humana da relação sexual. E compreendi, ao ler, estudar e meditar sobre estas respostas, que não pode haver uma verdadeira moralidade da sexualidade se não houver uma qualidade da sexualidade. E é aí que reconheço que os homens da Igreja, quanto a esse ponto, não são fiéis à sua missão. Prega-se a moralidade no matrimónio, diz-se o que é permitido e o que é proibido, mas não se oferece ao cristão casado um único livro (não existe! ... digam-me se conhecem algum! ...), não se oferece um único livro sobre a maneira de (desculpem a expressão, que antes eu detestava, que é um pouco vulgar, mas que me parece importante) de bem «fazer o amor», de bem viver a relação sexual. E então os casais cristãos, como os outros, vivem uma sexualidade de bárbaros. Não tenho tempo de lhes dizer agora como depois evolui, graças às confidências e averiguações que fiz junto de certos casais. O que lhes digo, como coisa que não foi feita e que se impõe, é que é absolutamente preciso guiar os casais para a perfeição humana e cristã da relação sexual. Tinha também, sem dúvida, minimizado o ensinamento da Igreja sobre o pecado original.
Terceiro aspecto do carisma fundador que, segundo me parece, foi insuficientemente compreendido, mas que na verdade só no decurso dos anos se podia compreender: a missão das ENS.
Porque as ENS têm uma vocação: a sua vocação é ajudar os casais a santificarem-se. Mas têm tambémuma missão na Igreja. É necessário ter sempre presentes estes dois aspectos: vocação e missão. E agora, após quarenta anos, nós compreendemo-lo melhor. E ouso dizer-lhes uma coisa que pode parecer um convite ao orgulho, mas que o não é: o aparecimento e o desenvolvimento das ENS na Igreja é um acontecimento muito importante da Igreja.
Antes de 1939 não havia na Igreja agrupamentos de casais. Havia inúmeros agrupamentos de indivíduos, mas agrupamentos de casais não havia. Era uma coisa completamente insólita. E não os podia haver precisamente porque os casais não tinham feito essa experiência de que acabo de lhes falar. Um exemplo: com o primeiro grupo que eu animava, decidimos fazer um retiro. Fui bater à porta das casas de retiros dos padres jesuítas: -«Podemos fazer um retiro na sua casa?» - «E claro!» Mas depois, reconsiderando: «Mas haverá senhoras?» - «Sim senhor.» - «Vade retro Satanás.» Eles nunca tinham aceitado uma mulher nas casas dos jesuítas. Vou ter então com as freiras do Cenáculo. - «Mas haverá homens?... Impossível!»
Esta pequena história ilustra bem a novidade de um movimento de casais. E foi então que descobrimos um aspecto do carisma fundador, que eu tinha demasiadamente ignorado. Afinal, na Igreja, nada se via além do indivíduo. Reagia-se como se o ponto mais alto da criação, do grande empreendimento de Deus ao criar o universo, o supremo ponto de perfeição da obra de Deus, fosse o indivíduo. Esqueciam-se por completo estas linhas do Genesis: «Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, criou-o homem e mulher e eles serão uma só carne».
O vértice da pirâmide não é o indivíduo, mas sim o casal. E isso é algo de muito novo. E o Movimento devia obrigar a Igreja a rever um pouco a sua antropologia e a sua concepção das coisas. São João Crisóstomo, Padre da Igreja - que, aliás, não foi conselheiro das ENS! - escreveu esta pequena frase: «Quem não é casado não é um, é metade de um». Mas isso vai muito longe. Homem e mulher possuem a mesma natureza humana; portanto, são iguais; mas possuem-na em modalidades diversas.,Portanto, são complementares e, quando se unem, formam essa entidade que é o casal. O casal é obra de Deus.
Tive essa intuição com os quatro primeiros casais, mas não tinha analisado o assunto: insistia mais sobre o amor, sobre o casamento. Ora, penso que na Igreja não devemos contentar-nos em falar de casamento e de amor; é preciso falar de casal. Na hora actual isso é muito mais necessário, pois chegas-se a negar a diferença dos sexos. Foi publicado, ainda há pouco, um livro da esposa dum antigo Ministro da Justiça francês sobre a inter-mutabilidade do homem e da mulher. Essa é uma das grandes catástrofes do nosso mundo do século XX prestes a terminar. Porque a sexualidade foi banalizada, por isso a complementaridade émenosprezada, e chegas-se a esta dissolução da sociedade: em quinze anos, os casamentos em França passaram de 450.000 para 225.000, aproximadamente.
Atenção, portanto, à maneira como falamos das ENS. Antigamente falava-se de Movimento de famílias (ménages): essa palavra já não me agrada; falava-se de Movimento de lares (foyers): é um pouco vago; trata-se na verdade de um Movimento de casais (couples) e essa é a grande afirmação que devemos levar para a Igreja.
Um segundo aspecto da missão das ENS: antes da aparição das ENS, antes deste acontecimento que já lhes apontei como revolucionário, era ensino corrente que quem queria ser perfeito devia renunciar ao casamento e entrar na vida religiosa. Foi o que me disse um padre, durante um retiro no final do meu curso secundário. E eu, na minha simplicidade, disse--lhe: «Mas então, se todos o escutassem não haveria humanidade, já que todos estariam na vida religiosa ou no sacerdócio ...» Na minha ingenuidade dos meus quinze anos, eu acreditava que todos queriam ser perfeitos! E o que dizem então as ENS? Que é possível a santificação no estado do casamento e pelo estado do casamento. Não insisto nisso, porque o sabeis muito bem. Mas é uma nova concepção da santidade, que não é corrente na Igreja.
Terceira revolução, se assim posso dizer: antes das ENS (e ainda resta algo disso na Igreja), havia bastante maniqueísmo: é preciso libertar--se ao máximo da matéria e da carne. Não se estava longe de pensar, como Platão, que o corpo é o sepulcro da alma. Pois bem, com as ENS afirma-se na Igreja que a sexualidade é um factor de santificação, desde que seja assumida e evangelizada; e que o prazer é uma realidade santa, que faz parte do plano de Deus e não deve ser posto sob suspeita, como entendiam essas tristes espiritualidades que tão frequentemente se podiam encontrar. E isso leva-nos muito mais longe: em toda a nossa vida neste mundo, os valores naturais não podem ser desprezados; é preciso assumi-los, entre eles a sexualidade que é um valor típico. Actualmente é muito importante compreender isso, para impedir que a sexualidade perca o seu sentido, porque actualmente ela vive uma situação dramática, e para a salvar do erotismo.

Quarta revolução: cantava-se na minha infância: «Só tenho uma alma, que é preciso salvar». A santidade era um assunto individual. Ninguém se santificava em lugar do outro. Cada um se salvava a si mesmo. Ora, as ENS dizem: a entreajuda é coisa querida por Deus para caminharmos na santidade. Não nos salvamos sozinhos. Aí está uma novidade: a entreajuda entre cônjuges e a entreajuda entre casais do Movimento.
Quinta revolução. Note-se que uso a palavra «revolução» com um sorriso nos lábios: não pretendo que nada disso tenha sido vislumbrado antes, mas de qualquer modo é muito característico. Antes, a santidade era muitas vezes concebida como «cultivo da beleza espiritual». Mas, quando falamos de santidade das pessoas casadas, recordamo-nos das palavras de Cristo: «a árvore será julgada pelos seus frutos»; não por sua beleza, mas por seus frutos. Quando Deus nos apresenta Abraão, que ele quer transformar em pai de todos os santos, mostra-lhe as estrelas do céu e diz: «é essa a tua posteridade». «A tua santidade será a tua fecundidade».
Pois bem, isso é algo de bastante novo na Igreja. Não se trata de cultivar a nossa própria beleza, mas de participar dessa evolução da criação, que tende para um objectivo final. É uma ideia muito contemporânea esta ideia da evolução do mundo e esta necessidade de contribuir para a mesma. E o casamento faz compreender muito bem isso: trata-se de transmitir a vida, e não de simplesmente polir a nossa perfeição pessoal.
São estes os cinco aspectos, que não tinham sido percebidos convenientemente: resumindo .... Já não encontro meus papéis; paciência, vocês lembram-se! (Está assim na transcrição original da palestra.)
Há uma coisa que lamento, mas, aqui para nós, não acuso ninguém, muito longe disso. Lamento que as ENS, nesta perspectiva da sua missão, não tenham acompanhado a caminhada dos cursos de preparação para o matrimónio. Eles tiveram sua origem nas ENS mas, muitas vezes, tornaram-se pouco cristãos. Não acho que as ENS devessem ter assumido a direcção da preparação para o matrimónio, mas que deveriam ter os seus próprios centros de preparação para o casamento, centros que servissem de ponto de referência para os outros; a partir justamente da espiritualidade que elas tinham descoberto. E lamento também que os conselheiros conjugais, muitos dos quais saídos das ENS, não tenham sido formados e apoiados pelas Equipas. Por isso é que se apoiam mais na psicologia de Freud do que na espiritualidade conjugal e familiar. Gostaria que as ENS contassem com conselheiros conjugais que, sem nenhuma ideia de monopólio, levassem em conta a linha do carisma fundador.
4 - O que não podia ter sido visto do carisma fundador
Disse-lhes até aqui o que foi bem visto e o que foi menos visto. Dir-lhes-ei agora o que não podia ter sido visto, e que o pode ser apenas na actual conjuntura.
Em primeiro lugar, actualmente é preciso partir de mais baixo. Formam-se agora muitos casais que não tiveram uma verdadeira catequese, ignoram muito da vida cristã e satisfazem muito mal as suas exigências. Conheço actualmente algumas Equipas de Nossa Senhora onde o esforço é conseguir que todos os casais vão à missa de domingo. Esse problema não se poria há quarenta anos. É um facto. Trata-se de uma questão de prática religiosa, mas é sobretudo uma questão de formação religiosa. A deficiência da catequese explica que haja casais que, não obstante terem uma formação cristã muito insuficiente, desejam todavia entrar nas ENS. E isto recorda-me o que outrora vi no Brasil: lá eles tinham instituído anos de propedêutica, de preparação para a entrada nas ENS. É preciso fazer alguma coisa. Não temos o direito de desamparar casais que estão muito atrás, tanto no plano do pensamento como no plano da prática, mas que, apesar disso, querem juntar-se às ENS.
Em segundo lugar, outra coisa que antes não podia ter sido vista e que agora se compreende melhor: há casais que estão nas ENS há dez, vinte, trinta anos e que sentem a necessidade de ir mais longe. Conheço Equipas assim, conheço casais assim. Alguns confessam-se comigo há quarenta anos. E é maravilhoso ver a sua evolução. Ora, da mesma maneira que é preciso começar de mais baixo, talvez seja ainda maisnecessário ajudar os que querem ir mais longe. E não é fácil. É um problema que se apresenta a qualquer professor numa classe: vamos alinhar-nos pelos alunos médios, ou vamos, pelo contrário, pressionar os melhores a progredir, para formar homens mais instruídos? Não sei o que se há-de fazer. Não lhes dou respostas. Mas entristece-me ver que há casais que, depois de certo número de anos, se decepcionam com as ENS.
É certo que, na mesma Equipas de Nossa Senhora, há casais que não progrediram e têm grandes necessidades espirituais. Como fazer? Como responder a isto? Não sei, mas não se podem abandonar os que querem ir mais longe. Levanto uma questão, sem qualquer ideia pré--concebida. Na hora actual, alguns desses casais, que aspiram a uma vida mais santa, são tentados por comunidades onde se juntarão a celibatários, religiosas e sacerdotes. Há cinquenta anos que vejo casais tentados a fundar comunidades de casais. Mas nenhumas dessas comunidades, pelo menos das que conheço, têm durado no decurso destes cinquenta anos. Tenho-me perguntado por quê. Não haveria aí alguma coisa significativa? A verdade é que, ainda agora, há quem ponha esse problema. Não tenho resposta definitiva, mas verifico uma coisa: o casal é essa realidade muito sólida, muito coerente, de que lhes acabei de falar; e a comunidade conjugal corre o risco de dissolver-se um tanto numa comunidade mais ampla, sobretudo se esta for exigente, principalmente se for uma comunidade em que se leva vida em comum. Essa a minha experiência. O casal, de certa maneira, é e não é apoiado demais: homem e mulher acabam tendo sua responsabilidade diminuída. Pergunto-me se não estamos diante de uma grande lei: o casal é uma sociedade, uma comunidade que é necessário proteger antes de mais nada, mas que é autónoma. Nos Movimentos de casais - desde que correspondam à sua vocação - os casais, que vivem em pleno mundo, que vivem no meio dos ventos, encontram algo que os fortifica. Nas ENS eles não se dissolvem, não vêem diminuída a sua responsabilidade. Que fazer então? Que responder aos que levantam essa questão? Tocamos aqui no que lhes disse há pouco. Talvez a questão seja: que fazer para que aqueles, que têm preocupações espirituais mais exigentes, sejam ajudados nas ENS, e não procurem outro caminho? A quarta coisa que há cinquenta anos não se podia prever: essa multiplicação dos métodos e processos da contracepção. Isso é uma transformação formidável nas ENS, porque, se outrora a maior parte dos casais tinha uma grande preocupação de respeitar a lei de Deus, actualmente inúmeros casais das ENS praticam a contracepção, e isso preocupa-me enormemente. Não quero tratar do assunto, pois levaria tempo demais. Mas eles praticam a contracepção porque, como dizia há pouco, não ensinaram os jovens casais a compreender bem a qualidade da relação sexual; daí que a moralidade se lhes torna inaceitável. Mas quando um indivíduo transgride a lei do Senhor, diz-se que perde o estado de graça. Ora, quando num Movimento há uma grande proporção dos seus membros (não faço ideia de qual é a proporção, se de vinte, quarenta ou setenta por cento), uma grande proporção que desconhece, que não quer ouvir falar da lei de Deus, esse Movimento arrisca-se a perder o estado de graça e resvalar para a decadência e para a perversão.
Quinto e último ponto, que não era suficientemente visto no início, nem o podia ser, mas que o é agora: por favor, ajudem os casais equipistas a bem envelhecer, para bem morrer e para bem viver a sua viuvez. Conheço muitos desses amigos da primeira hora, que continuam nas Equipas. É preciso ter uma grande preocupação de ajudar os velhos a progredir na santidade. A velhice é um grande trunfo para progredir no amor de Deus. Já se fez o bastante nesse sentido? Confesso que não sei; não tenho acompanhado suficientemente as vossas publicações. Mas é necessário ajudar os casais a bem morrer, e ajudar também o vosso fundador a bem morrer ...
E antes da velhice e da morte, existe a reforma. Pergunto-me se as ENS têm feito bastante para fazer descobrir o sentido cristão da reforma, desse tempo de vida que é muito importante. Assinalo isso, sem me alongar mais. E depois há ainda esse drama do desemprego. As ENS terão feito descobrir a maneira cristã de viver o desemprego? Eis o que não podia ser visto há quarenta anos e que hoje enfrentamos.
Para terminar, tenho vontade de vos ler uma bela página, que alude ao que vos acabei de dizer. Publiquei-a outrora no «Anneau d’Or»:
Um homem já idoso resolveu escrever a história de seu casamento, na intenção de a dar a conhecer a sua numerosa família. Antes de acabar o primeiro capítulo, consagrado ao noivado, escreveu um «postscriptum» a esse capítulo. É o que vou ler: «Devia encerrar aqui este capítulo, mas quero acrescentar-lhe ainda algumas páginas. Seriam supérfluas, se eu tivesse a certeza de terminar a história da minha vida. Mas como poderia eu esperar, sem a mais extrema temeridade, que me será deixado tempo para levar até o fim a tarefa que me propus? Tenho setenta e sete anos completos. Porque ainda o posso fazer, e amanhã talvez o não possa, quero, na última página deste primeiro capítulo, prestar à minha querida Susana o testemunho que lhe devo. Oito anos mais nova do que eu, ela há de sobreviver a mim. Que lhe possa servir de algum lenitivo ler aqui, quando eu já não estiver a seu lado, o que em presença da morte eu penso dela. Ela fez a felicidade da minha vida. Depois de quarenta e cinco anos de vida em comum, amo-a mais do que a amava quando me abriu os braços pela primeira vez. A minha ternura por ela tornou-se, ao mesmo tempo, menos ardente e mais profunda. Ainda não dissemos tudo um ao outro. Os beijos calmos, os abraços sem violência, despertam a recordação das longínquas primaveras. Mas, sobretudo, as nossas almas confundem-se na mesma fé, na mesma esperança. Quando no decorrer do ano chega o dia 6 de Julho, para mim é doce e tão agradável repetir do fundo do coração o «sim» fatídico, como para um religioso, bem dentro da sua vocação, a renovação dos seus votos. Não teria sido assim se a minha Susana não tivesse praticado, com uma coragem que, por vezes, ia até ao heroísmo, os seus deveres de esposa e de mãe. Os meus gostos intelectuais, a minha incapacidade para ganhar dinheiro, o meu desprezo pelas mundanidades, a minha paixão pelos livros, e por certo, sem eu o perceber, muitas outras disposições tinham tudo para irritá-la, para magoá-la. Uma vez que me imponho a obrigação da verdade absoluta, não vou escrever que ela não sofreu com isso, que nunca me censurou, nem que eu não sofri ao ver o desgosto que lhe causava, contra a minha vontade. Mas ela manteve sempre, como o azul do céu por cima das nuvens, a vontade inalterável de tornar a minha vida agradável, e sensível à ternura do seu coração. Deu-me seis filhos, e escreveu-me todos os dias sempre que estivemos separados. Deu-me sem pedir nada em troca, apesar de todos os ataques do exterior e de todos os meus próprios defeitos, a sua estima reconfortante. Tem sempre um sorriso para mim. E fez tudo isto numa vida, em que os dias de doença, de miséria física, de luto e de sofrimento moral, foram quase tantos quantos os de saúde e serenidade. Deixarei a terra certo que, durante todo o tempo que me sobreviver, ela não cessará de rezar para que a porta do céu se abra para a minha alma. Que Deus a abençoe e a recompense. E que seus descendentes venerem a sua memória.» Como não desejar que seja assim para todos, e para todos os casais que ajudamos? Não quero tirar conclusões. Cabe a vocês concluir. Não a mim. Meu papel é simplesmente testemunhar, e de vos incitar à fidelidade, ao carisma fundador e à criatividade dentro dessa fidelidade. Mas, para terminar, quero fazer notar uma coincidência. Acontece que vocês celebram os quarenta anos da «Carta», neste ano que o Papa decretou ser um Ano Mariano. Sabem que esse Ano Mariano começa no próximo Pentecostes e termina na festa da Assunção de 1988. Pois bem, vejo nisso uma indicação providencial, porque a fé em Maria, no seu amor, na sua intercessão, esteve presente desde o começo das ENS, sendo. por isso, justamente, que se chamam Equipas de Nossa Senhora. Não foi por acaso. Por isso vos convido a renovar, mais do que nunca, esse voto de confiança na Virgem Maria, que presidirá ao destino das Equipas.
Ecce ... Fiat.
 
Conferência do Padre Henri Caffarel
No Encontro de Responsáveis Regionais da Europa,
Chantilly, 3 de Maio de 1987